Alimentos “zero gordura trans” na verdade podem conter a substância

O Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) divulgou recentemente um alerta sobre a gordura trans, a mais associada a problemas cardiovasculares e de saúde em geral. Em parceria com a Universidade de São Paulo, a entidade avaliou milhares de alimentos industrializados e concluiu que uma parte considerável contém a substância mesmo quando alega ser “zero trans” na embalagem.

Ela foi encontrada em 18,7% dos 11 mil produtos estudados, mas só 7,4% do total identificou sua presença. Portanto, menos da metade dos itens que contam com essa molécula em sua composição a acusam explicitamente no rótulo.

Entre os que declararam ser isentos do ingrediente, 11% dos salgadinhos, 9% de produtos de panificação e 8,4% dos biscoitos na verdade carregavam ao menos um pouco de gordura trans. A investigação foi feita em 2017 e o artigo científico está em revisão no momento.

Cabe destacar que essa aparente discrepância é prevista na nossa regulamentação. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), produtos com até 0,2 grama (g) de gordura trans por porção podem alegar ter 0g na tabela nutricional, aquela que informa a quantidade de cada macronutriente segundo a ingestão diária recomendada. Já os que possuem até 0,1g por porção podem dizer que são “zero” ou “não contém” o ingrediente.

A quantidade pode ser pequena, mas preocupa
A indústria alimentícia brasileira já reduziu nos últimos anos o teor de gordura trans utilizada em seus processos. Mesmo assim, ela continua sendo empregada. “Os fabricantes não estão errados, assim por dizer. Eles seguem a legislação vigente, só que as pessoas comem muito mais do que a porção indicada no rótulo”, destaca a nutricionista Regina Pereira, da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).

Ou seja, parece pouco que haja 0,1g de gordura trans escondida em uma bolacha, mas o problema é que essa quantia está em uma única porção, não no pacote inteiro. No caso dos biscoitos recheados, por exemplo, uma porção via de regra equivale a três unidades.

Além disso, outros alimentos que mastigamos durante o dia podem conter essa inimiga da saúde. Aí, de pouco em pouco, acabamos nos enchendo dela.

“A gordura trans é muito barata e amplamente utilizada em barrinhas de cereal, balas, bolachas, sorvetes, salgadinhos, margarinas e até para fazer frituras vendidas a preços baixos na rua, como as coxinhas de um real”, destaca Regina. Nesse caso, é usada por ser estável e facilmente reaproveitada.

Como esse composto não é essencial ao organismo, não existe um nível recomendado de sua ingestão. Ou seja, quanto menos, melhor.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estipula que esse ingrediente não deve responder por mais de 1% das calorias totais de uma dieta. Se o indivíduo come 2 mil calorias ao dia, poderia ingerir até 2g de gordura trans ao dia.

“Para ter ideia, 25 gramas de biscoito de polvilho de algumas marcas já quase atingem essa quantidade” calcula Regina.

Como então detectar a gordura trans nos alimentos?

Não é tão simples, porque a tabela nutricional pode indicar 0g – e ela não está evidente mesmo na lista de ingredientes. O jeito é ler com atenção essa relação de itens utilizados no produto, ficando de olho em termos que denunciam sua presença. Quais?

“Qualquer coisa que leve a palavra hidrogenada, independentemente de ser óleo ou gordura, é trans”, ensina a Regina. Outras palavras podem indicar a presença dela (embora nem sempre isso seja verdade). São eles: margarina, creme vegetal e gordura vegetal.

Uma preocupação global

A Organização Mundial da Saúde tem como meta eliminar as gorduras trans da indústria alimentícia até 2023. Em maio de 2019, a entidade lançou um alerta sobre o assunto. Segundo a OMS, 110 países ainda não tomaram qualquer atitude para ao menos reduzir a concentração desse composto nas comidas processadas, o que deixa mais de 5 bilhões de pessoas expostas aos perigos de seu excesso.

Dinamarca, Estados Unidos, Chile e Tailândia estão entre as nações que já adotaram políticas que restringem ou banem de vez a trans das fábricas. Alguns desses locais já parecem sentir na prática a redução das mortes por doenças cardiovasculares.

No Brasil, a Anvisa discute atualmente formas de coibir o uso e pode em breve realizar uma audiência pública sobre o tema.

 

Fonte: Saúde